quarta-feira, 25 de maio de 2011

Momento André Luiz – Trechos de Ação e Reação



    Irei transcrever abaixo alguns trechos do livro Ação e Reação de André Luiz no momento em que o autor se encontra em uma colônia de ajuda localizada nas regiões inferiores do umbral e no momento do relato, a região era castigada por uma grande tempestade.
    “Ventania ululante, carreando consigo uma substância escura, semelhante a lama, remoinhava com violência, em torvelinho estranho, a maneira de treva encachoeirada...
    E do corpo monstruoso do turbilhão terrível rostos humanos surgiam em esgares de horror, vociferando maldições e gemidos. Apareciam de relance, jungidos uns aos outros como vastas correntes de criaturas agarradas entre si, em hora de perigo, na ânsia instintiva de sobreviver...
    ... – Por que não abrir as portas as que gritam lá fora? Não é este um posto de salvação?
    - Sim – Respondeu o Instrutor sensibilizado -, mas a salvação só é realmente importante para aqueles que desejam salvar-se. Para cá do túmulo, a surpresa para mim mais dolorosa foi essa, o encontro com feras humanas, que habitavam o templo da carne, à feição de pessoas comuns. Se acolhidas aqui, sem a necessária preparação, atacar-nos-iam de pronto. E não podemos esquecer que a ordem e a base da caridade.
    Logo após, recompondo a expressão fisionômica, o Instrutor prosseguiu:
    - Somos hoje defrontados por grande tempestade magnética, e muitos caminheiros das regiões inferiores são arrebatados pelo furacão como folhas secas no vendaval.
    - E guardam consciência disso? Perguntou Hilário perplexo.
    - Raros deles. As criaturas que se mantêm assim desabrigadas, depois do túmulo, são aquelas que não se acomodam com o refúgio moral de qualquer princípio nobre. Trazem o íntimo turbilhonado e tenebroso, qual a própria tormenta, em razão dos pensamentos desgovernados e cruéis de que se nutrem. Alojá-los de imediato, nos santuários de socorro aqui estabelecidos, será o mesmo que asilar tigres entre fiéis num templo.
    - Mas conservam-se, interminavelmente, nesse terrível desajuste?
    - Isso não. Semelhante fase de inconsciência e desvario passa também como a tempestade, embora a crise, por vezes, persevere por muitos anos. Batida pelo temporal das provações que lhe impõem a dor de fora para dentro, refunde-se a alma, pouco a pouco, tranquilizando-se para abraçar, por fim, as responsabilidades que criou para si mesma.
    - Quer dizer então, - disse por minha vez – que não basta a romagem de purgação do espírito depois da morte nos lugares de treva e padecimento para que os débitos da consciência sejam ressarcidos...
    - Perfeitamente – aclarou o amigo – o desespero vale por demência a que as almas se atiram de incontinência e revolta. Não serve como pagamento nos tribunais divinos. Não é razoável que o devedor solucione com gritos e impropérios os compromissos que contraiu mobilizando a própria vontade...
    ...Asseguro-lhes assim, que nas zonas infernais propriamente ditas, apenas residem aquelas mentes que, conhecendo as responsabilidades morais que lhes competiam, delas se ausentaram, deliberadamente. O inferno, a rigor, pode ser definido como vasto campo de desequilíbrio, estabelecido pela maldade calculada, nascido da cegueira voluntária e da perversidade completa. Aí vivem domiciliados, às vezes, por séculos, espíritos que se bestializaram, fixos que se acham na crueldade e no egocentrismo...” 
 

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